terça-feira, 28 de agosto de 2007

Bourne e a vigilância

Fui ver ontem Ultimato Bourne, terceiro filme da série do ex-agente da CIA em busca de sua identidade esquecida, dirigido por Paul Greengrass. Jason Bourne é um traço que a CIA deseja apagar dos seus arquivos, mas o ex-agente invencível não cessa de escapar à vigilância e ao rastreamento contínuos que se impõem sobre ele. Bourne é uma máquina de contra-vigilância reflexiva, implacável em sua agilidade de antecipar as hipóteses, intenções e ações dos seus perseguidores, invertendo sempre o jogo e se tornando o vigia dos seus vigias. Neste último filme, numa excelente sequência na estação de Waterloo em Londres, Bourne orquestra os seus passos e os de um jornalista com quem marca um encontro, conduzindo-o pelo celular num passo a passo calculado, ao mesmo tempo em que dribla e usa em seu favor os olhos dos assassinos, o monitoramento das inúmeras câmeras que vigiam a estação e os olhares inocentes da multidão. No que concerne à anti-vigilância, o principal engenho de Jason Bourne é evitar duas saídas previsíveis - esconder-se ou usar instrumentos ainda mais potentes que os de seus inimigos. Em vez disso, usa a sua própria condição de vigiado, os próprios dispositivos de vigilância que o miram e as expectativas de seus vigias para dar-lhes traços e pistas falsos que os tornam presas de sua própria perseguição. Bourne aplica à vigilância algo similar ao que Charles Maurice de Talleyrand disse a propósito da linguagem:
"A linguagem foi inventada para que as pessoas pudessem esconder seus pensamentos umas das outras"

Tudo isso me lembrou um texto de um cientista cognitivo, Daniel Dennett, que em sua escala neodarwinista de 'evolução' dos sistemas intencionais, propõe que somos criaturas gregorianas, que diante de uma situação de decisão não apenas perguntamos, como as criaturas skinnerianas, "o que eu faço a seguir?", nem "o que eu devo pensar a seguir?", como fariam as criaturas popperianas. Segundo Dennett, "as criaturas gregorianas dão um grande passo em direção ao nível humano de destreza mental, beneficiando-se da experiência dos outros, explorando a sabedoria corporificada nas ferramentas mentais que os outros inventaram, aperfeiçoaram e transmitiram; com isso elas aprenderam como pensar melhor no que deveriam pensar a seguir - e assim por diante, criando uma torre de reflexões internas adicionais sem nenhum limite fixo ou discernível" (Dennet, D., Tipos de mentes, Rocco, 1997). Jason Bourne é uma criatura gregoriana de último nível, ou de nível hollywoodiano.

2 comentários:

Fernando Firmino da Silva disse...

Prezada Fernanda Bruno, assisti esse filme também e a cena que você descreve realmente é fantástica e inusitada. Uma verdadeira contra-vigilância. Aproveito e parabenizo o seu blog, que venho acompanhando há um tempo. Muito instigante, a começar pelo título "dispositivos de visibilidade". Uma temática muito interessante com abordagens inteligentes. Depois de "1984" e "admirável mundo novo" e a intensidade e ubiquidade das tecnologias móveis e de vigilância essas questões emergiram com muita ênfase.

Abraços

fernando f. silva

Fernanda Bruno disse...

Caro Fernando,
Obrigada pelos comentários e fico feliz com o seu interesse por este blog. Vi o seu Jornalismo móvel, não conhecia e gostei bastante. Parabéns. Vi também que você faz doutorado com o André, a quem conheço e admiro. Boa sorte no seu trabalho e seja bem-vindo.
Um abraço,
Fernanda