quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Perspectiva em movimento (Segunda carta de Cogitamus, Bruno Latour)

As notas desta segunda carta não seguirão o ritmo relativamente didático das anteriores. Limito-me a poucos apontamentos fragmentados de algumas passagens, todas relativas ao que chamo aqui grosseiramente de perspectiva em movimento.
No lugar do objeto, séries de ações, desvios, associações, traduções, composições, substituições. No lugar da unidade e da entidade bem delimitada, o múltiplo. O controverso no lugar do unificado e o mediatizado no lugar do "imediato". Esses deslocamentos, recorrentes no "programa" de Latour, propõem uma mudança de perspectiva em relação, sobretudo, aos "objetos" das ciências e das técnicas.  Tomar tais objetos segundo uma perspectiva sociotécnica, como sugere Latour, é de algum modo colocá-los em movimento, ou melhor, retraçar ou seguir o movimento que os constituem malgrado a sua aparente estabilidade. Essa imagem do movimento aparece muitas vezes nesta segunda carta de Cogitamus (la Découverte, 2010). Extratos:
"Un peu comme si chaque objet technique devenait la page d'un flipbook dont vous apprendriez à faire défiler très vite les pages pour sisir le seul mouvement" (p. 53)
"...saisir les techniques comme un projet et non pas comme un objet. Ou plutôt l'objet existe bien mais à la façon d'une coupe à un instant t. L'objet, c'est un arrêt sur une image du film du projet."(p. 55)
Claro que esse movimento não é linear nem uniforme, mas cheio de ziguezagues, contraposições, "encaixotamentos". E, igualmente importante, este movimento também é tempo. Latour chega mesmo a propor um gráfico que resumiria uma "tendência" ou um movimento de conjunto da nossa história sociotécnica - dos babuínos ao homem contemporâneo. São três seus "princípios". Primeiro, acumulação, conservação e recomposição de todas as compotências advindas ao longo da história, de modo que nenhuma inovação chega a abolir as precedentes. Segundo, um "alongamento" dos desvios implicados nas competências e objetos. Um computador, por exemplo, envolve um número muito maior de desvios e traduções (componentes materiais, empresas, acordos comerciais, licensas etc) do que uma flecha. Terceiro, a extensão crescente de seres de naturezas diversas mobilizados em nossas ações sempre compostas - mobilizamos cada vez mais o mundo, a matéria, os seres de toda sorte em nossos objetos. Não, a técnica não nos afasta do mundo e das coisas elas mesmas, ao contrário, estamos cada vez mais misturados à intimidade da matéria - partículas, moléculas, átomos. História de homens e de coisas, história socieotécnica. Daí o slogan: "Materializar é socializar; socializar é materializar" (p. 65). Tomar pé da história assim entendida é, sobretudo hoje, uma ação política. 

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