O artigo vem, felizmente, contribuir para a ainda raríssima literatura sobre o tema no Brasil. Não vou fazer uma apresentação do texto, mas apenas pontuar alguns dados para reflexão. Em sua análise de propostas de leis sobre câmeras de vigilância no Brasil e de dados sobre a indústria da segurança, a autora propõe três estágios da trajetória da vídeo-vígilância.
- 1982-1995: “Cameras as a suggestion”
- 1995-2003: Reconfiguration period, “Cameras as an obligation”
- 2003-2005: Second reconfiguration, “Cameras for survival and for international commerce
Segundo a autora, no primeiro estágio (1882-1995), há poucas propostas de lei sobre câmeras de segurança e estas são destinadas sobretudo à segurança privada, especialmente em bancos e instituições financeiras. No segundo estágio (1995-2003), as propostas de lei aumentam em número e especificidade, havendo propostas de tornar obrigatório o uso de câmeras em bancos e em alguns espaços de circulação pública, como hospitais, shopping centers, estádios de futebol etc. Nesse mesmo período, há uma imensa expansão da indústria de segurança privada e particularmente dos sistemas eletrônicos de segurança, aí incluída a vídeo-vigilância. O uso de câmeras passa a ser justificado pelos altos índices de criminalidade, pela ineficiência do Estado em garantir a segurança e pelo aumento da sensação de medo nas cidades. Vale notar que esta expansão do uso de câmeras se dá em grande parte no âmbito da segurança privada. Outro dado importante é a escassez de projetos de lei que regulem ou controlem o uso de câmeras, prevalecendo a demanda pela obrigatoriedade. Por fim, no terceiro estágio esta demanda legal por obrigatoriedade se estende ao comércio internacional, à segurança pessoal e à sobrevivência. A presença do Estado nessa demanda se torna mais forte, ressoando as políticas de segurança pós-11 de setembro.
Essa trajetória descrita pela autora de algum modo reflete o que diversas pesquisas mostram em outros países, onde a vídeo-vigilância se inicia no setor privado, depois ganha o espaço público e atualmente se encaminha para a ubiqüidade. Assim é na Inglaterra, por exemplo. No entanto, vale ressaltar algumas particularidades nacionais. Diferentemente da Inglaterra e de outros países europeus, em que a primeira expansão da vídeo-vigilância se dá em seu estágio público e é coordenada pelo Estado, no Brasil ela se passa antes no âmbito privado e se justifica pela ineficiência do Estado em prover segurança. Curioso ainda notar que muitas câmeras privadas, colocadas em prédios e condomínios residenciais, por exemplo, estão voltadas para as ruas e "vigiam" o espaço público, mas apenas para proteger os espaços privados. Além disso, é bastante recente no Brasil a incorporação da vídeo-vigilância nas políticas públicas de segurança e, ainda que elas se alinhem a uma retórica securitária global, nossa cultura da violência e da insegurança é bastante específica e complexa, merecendo estudos particulares.
Uma outra particularidade nacional é a grande quantidade de câmeras de vigilância adquiridas ilegalmente, tornando impossível dimensionar a extensão da vídeo-vigilância no país. Tanto os dados públicos quanto os fornecidos pelas empresas de segurança são insuficientes, dada a significativa quantidade de empresas clandestinas e de aquisições ilegais.
No estudo de caso sobre câmeras de vigilância no Parque da Luz em São Paulo, a autora chama atenção para o fato de a câmera aí controlar sobretudo a mobilidade e não tanto a visibilidade: "...
this is the case because cameras, in relation to urban gentrification or the enrichment of the city center, play the role of making the city a safer place for a specific part of the population. The camera has to inhibit the permanence or the circulation of specific groups in favor of others, thus
promoting the regulation of mobility and the disappearance of conflict."
Sem dúvida, a regulação do acesso, da circulação e da mobilidade é um elemento central na vídeo-vigilância e no campo mais amplo da vigilância contemporânea. No entanto, se em alguns dispositivos, como na vigilância digital ou de dados (dataveillance), a questão da visibilidade perde relevância, na vídeo-vigilância, em especial, o controle da mobilidade vai de par com uma reordenação das táticas de visibilidade, que se transformam, mas não se tornam secundárias. Ainda que a visibilidade não opere mais como uma armadilha individualizante nos moldes disciplinares, como aponta a autora, ela ainda é um elemento central na retórica da vigilância/segurança, na efetividade do dispositivo câmera e no tipo de "prova" e registro visual que ele gera. Volto a isso num futuro próximo ;-)
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