terça-feira, 29 de maio de 2007

Visibilidade X Vigilância


O artista Hasan Elahi usa estrategicamente a visibilidade para desarmar a vigilância sobre a sua vida privada. Desde que foi alvo de suspeita de terrorismo pelo FBI, em 2002, o artista disponibiliza a sua vida online. Por meio de fotos e de um emissor GPS, Elahi documenta cada passo de sua vida, dos sanduíches que come a viagens que realiza, e disponibiliza tudo instantaneamente no seu site. "A melhor maneira de proteger a sua vida privada é torná-la pública", diz Elahi. Um filme realizado com fotos tiradas desde 2002 será exibido em junho/2007 no Festival Pocket Films do Centro Georges Pompidou em Paris.

O trabalho do artista me lembrou a aurora dos movimentos de liberação sexual, em particular a literatura homossexual, como nota Foucault, que "dizia" à psiquiatria: "vocês dizem que a nossa verdade reside em nosso sexo. Sim, aceitamos, somos o que vocês dizem, por natureza, perversão ou doença, como quiserem. Mas essa verdade nós mesmos a diremos, melhor que vocês". Inversão estratégica da vontade de verdade nesse caso. Inversão estratégica da vontade de tudo ver e antever, no caso do artista frente ao FBI.

Abaixo, trecho extraído da Wired:
The Visible Man: An FBI Target Puts His Whole Life Online


"Hasan Elahi whips out his Samsung Pocket PC phone and shows me how he's keeping himself out of Guantanamo. He swivels the camera lens around and snaps a picture of the Manhattan Starbucks where we're drinking coffee. Then he squints and pecks at the phone's touchscreen. "OK! It's uploading now," says the cheery, 35-year-old artist and Rutgers professor, whose bleached-blond hair complements his fluorescent-green pants. "It'll go public in a few seconds." Sure enough, a moment later the shot appears on the front page of his Web site, TrackingTransience.net.

There are already tons of pictures there. Elahi will post about a hundred today — the rooms he sat in, the food he ate, the coffees he ordered. Poke around his site and you'll find more than 20,000 images stretching back three years. Elahi has documented nearly every waking hour of his life during that time. He posts copies of every debit card transaction, so you can see what he bought, where, and when. A GPS device in his pocket reports his real-time physical location on a map.

Elahi's site is the perfect alibi. Or an audacious art project. Or both. The Bangladeshi-born American says the US government mistakenly listed him on its terrorist watch list — and once you're on, it's hard to get off. To convince the Feds of his innocence, Elahi has made his life an open book. Whenever they want, officials can go to his site and see where he is and what he's doing. Indeed, his server logs show hits from the Pentagon, the Secretary of Defense, and the Executive Office of the President, among others".

domingo, 20 de maio de 2007

O Google e a nossa privacidade: jogos eletrônicos e perfis psicológicos.

Uma patente da Google revela planos de extrair perfis psicológicos do monitoramento de usuários de jogos on-line. Segundo matéria do The Guardian, um dos principais objetivos visados é a venda destes perfis para empresas de publicidade, de modo a oferecer produtos mais apropriados aos interesses, personalidade e temperamento dos usuários. Por exemplo, "jogadores que passam muito tempo explorando 'podem estar interessados em férias, então o sistema pode mostrar propagandas para férias. E aqueles que passam mais tempo conversando com outros personagens irão ver publicidade para telefones móveis."

Num artigo em co-autoria com meus orientandos de Iniciação Científica, analisei alguns serviços do Google, tendo em vista a sua potencialidade para a elaboração de perfis de usuários. O artigo pode ser acessado aqui: "O oráculo de Mountain View: o Google e sua cartografia do ciberespaço".

Retomando a matéria do The Guardian, a preocupação mais evidente e discutida concerne às ameaças à privacidade dos indivíduos. Sem dúvida, tal preocupação é fundamental, mas vale lembrar que ela não esgota o problema. Isso por três razões, para sermos breves:
1. porque boa parte do alcance e dos efeitos da elaboração de perfis psicológicos de usuários a partir do monitoramento de suas ações no ciberespaço independem da identificação dos indivíduos. Trata-se de um tipo de poder que convive relativamente bem com o anonimato daqueles sobre quem se exerce, não necessitando identificar pessoalmente os indivíduos.
2. porque o medo da violação à privacidade, embora justificado, mantém o foco na dimensão ideológica e mascarada do poder, se preocupando em denunciar tudo o que é feito sem o consentimento da consciência, da vontade e do desejo dos indivíduos. Esquece-se que o poder se exerce privilegiadamente ali mesmo onde a consciência, a vontade e o desejo dos indivíduos estão implicados. Maquiavel, Nietzsche e Foucault nos ajudam aqui.
3. porque a questão da privacidade precisa ser colocada sim, mas não simplesmente nos termos com os quais estamos habituados. As novas modalidades de coleta, registro e classificação de informações sobre os indivíduos e seus dados psicológicos e comportamentais, tais como as que figuram nos bancos de dados e perfis computacionais, requerem que se redefina o que se considera "informação pessoal" e "privacidade". A minha privacidade é ou não violada quando meus hábitos e ações são monitorados para montar perfis psicológicos que não me identificam em termos jurídicos? Além disso, em nossa cultura, a privacidade não é simplesmente um direito civil, mas também uma propriedade, logo algo que se pode conceber como mercadoria e que se pode "trocar" ou "vender" como bem quiser. Em suma, trata-se de repensar a noção de privacidade no seio das novas práticas de coleta, classificação e uso de informações sobre indivíduos, e que essa questão não seja apenas pensada no âmbito do direito ou da propriedade, mas também no horizonte das práticas de liberdade.

sexta-feira, 18 de maio de 2007

Vigilância preventiva pós-11 de setembro



Para quem se interessa por vigilância governamental, vale conferir uma matéria da PBS Frontline - Spying on the Home Front - sobre os programas de vigilância que os Estados Unidos vêm adotando desde o 11 de setembro. A ênfase nas medidas de previsão e prevenção são patentes. Sob a projeção interessada da sombra do terrorismo, todos são suspeitos, até que se prove o contrário. A matéria é bastante completa e inclui entrevistas, videos, casos, documentos.


Eis um pequeno trecho da introdução:
"9/11 has indelibly altered America in ways that people are now starting to earnestly question: not only perpetual orange alerts, barricades and body frisks at the airport, but greater government scrutiny of people's records and electronic surveillance of their communications. The watershed, officials tell FRONTLINE, was the government's shift after 9/11 to a strategy of pre-emption at home -- not just prosecuting terrorists for breaking the law, but trying to find and stop them before they strike."

quarta-feira, 16 de maio de 2007

Porno-Estatística On-Line

A célebre e desgastada frase do deputado Roberto Campos - "a estatística mostra tudo, mas esconde o essencial" - aplica-se quase literalmente a esse video sobre dados do mundo pornográfico na Internet. De toda forma, os dados merecem uma olhada ;-). E vale ressaltar que a pornografia on-line é um instigante objeto de pesquisa, ainda muito pouco explorado pelo mundo acadêmico. As reflexões sobre visibilidade, estética, subjetividade, voyeurismo e exibicionismo na cibercultura podem ter na pornografia uma boa fonte. Venho tateando alguns estudos sobre o tema e assim que possível disponibilizo aqui referências bibliográficas e impressões. Sugestões são bem-vindas.



O video é da GOODMagazine e pode ser visto no YouTube.

segunda-feira, 14 de maio de 2007

Fábricas do gosto e Redes sociais

As redes sociais na Internet, como Orkut, Myspace, Friendster etc, não apenas refletem novos modos de sociabilidade e de exposição do eu no ciberespaço, como também constituem fontes valiosas de informação que alimentam bancos de dados, agentes e sistemas de classificação/fabricação de gostos e identidades. Notamos aí um elemento importante dos regimes de monitoramento e vigilância no ciberespaço. Um interessante artigo sobre esse tema me foi indicado pelo querido Henrique Antoun: Unraveling the Taste Fabric of Social Networks.
O artigo é assinado pela Pattie Maes (em co-autoria com Liu,H. e Danenport, G.), referência importante na pesquisa em inteligência artificial e na produção de agentes informáticos de recomendação de gosto, tais como os que encontramos na amazon.com. Nesse artigo, os autores analisaram 100.000 perfis do Friendster e do Myspace, deles inferiram uma fábrica do gosto e propuseram três aplicações: um mapa interativo de interesses (InterestMap), um sistema semântico (Ambient Semantic) para facilitar a interação entre duas pessoas estranhas a partir de seus gostos partilhados, e um espelho que reflete de forma dinâmica a identidade e o gosto dos indivíduos (IdentityMirror).


Interest Map; IdentityMirror; Ambient Semantics

Aplicações ainda mais sofisticadas e dinâmicas que os agentes de recomendação de livros e discos na amazom.com. Aplicações reveladoras sobre os cruzamentos entre redes sociais, composição de bancos de dados e perfis computacionais, cultura do consumo, fabricação das identidades pós-modernas e sistemas de monitoramento e vigilância no ciberespaço.
Segue resumo do artigo:
Unraveling the Taste Fabric of Social Networks
Hugo Liu, Pattie Maes, Glorianna Davenport
The Media Laboratory, Massachusetts Institute of Technology

Abstract
"Popular online social networks such as Friendster and MySpace do more than simply reveal the superficial structure of social connectedness—the rich meanings bottled within social network profiles themselves imply deeper patterns of culture and taste. If these latent semantic fabrics of taste could be harvested formally, the resultant resource would afford completely novel ways for representing and reasoning about web users and people in general. This paper narrates the theory and technique of such a feat—the natural language text of 100,000 social network profiles were captured, mapped into a diverse ontology of music, books, films, foods, etc., and machine learning was applied to infer a semantic fabric of taste. Taste fabrics bring us closer to improvisational manipulations of meaning, and afford us at least three semantic functions— the creation of semantically flexible user representations, cross-domain taste-based recommendation, and the computation of taste-similarity between people—whose use cases are demonstrated within the context of three applications—the InterestMap, Ambient Semantics, and IdentityMirror. Finally, we evaluate the quality of the taste fabrics, and distill from this research reusable methodologies and techniques of consequence to the semantic mining and Semantic Web communities."

sexta-feira, 4 de maio de 2007

Encontro CiberIdea - 09/05



Na próxima quarta, dia 09/05, às 18:00 h, teremos o
segundo encontro do CIBERIDEA nesse semestre. Segue o resumo e a bibliografia da apresentação do Prof. Henrique Antoun. Local - Escola de Comunicação - ECO/UFRJ, sala 132.


CiberIdea – Henrique Antoun


Governo e Subjetivação - 09/05
Relação consigo e governamentalidade. Os diferentes sentidos e períodos da relação consigo. Salvação, conversão e catarse. A epistrophé platônica. A metánoia cristã. Conversão do olhar e concentração atlética. Saber etopoiético e conhecimento fisiológico. A parrhesía do fisiólogo epicurista. A conversão a si. Metáfora da navegação e técnica da pilotagem como modelo de governamentalidade. Governamentalidade e a relação a si, contra a política e o sujeito de direito. Crítica da cultura. Cultura, gêneros de conhecimento e política. A Internet e as biotécnicas.

Bibliografia

FOUCAULT, M. 1981. "Omnes et Singulatim": Uma crítica da razão política. In: MOTTA, M. (Org.) 2006 Estratégia, poder-saber. Coleção Ditos & Escritos. Rio de Janeiro, Forense, p. 355-385.

FOUCAULT, M. 1983. Estruturalismo e Pós-Estruturalismo. In: MOTTA, M. (Org.) 2005 Arqueologia das Ciências e História dos Sistemas de Pensamento. Coleção Ditos & Escritos. Rio de Janeiro, Forense, p. 307-334.
FOUCAULT, M. 1984. O que são as luzes? In: MOTTA, M. (Org.) 2005 Arqueologia das Ciências e História dos Sistemas de Pensamento. Coleção Ditos & Escritos. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 335-366.

FOUCAULT, M. 2005. Aula de 17 de março de 1976. In: Em defesa da sociedade. São Paulo, Martins Fontes, p. 285-315.

FOUCAULT, M. 2005. Aula de 10 de fevereiro de 1982. In: Hermenêutica do sujeito. São Paulo, Martins Fontes, p. 253-300.

FOUCAULT, M. 2005. Aula de 17 de fevereiro de 1982. In: Hermenêutica do sujeito. São Paulo, Martins Fontes, p. 301-350.

terça-feira, 1 de maio de 2007

Spock - indexando pessoas

Um dos principais focos da pesquisa de que trata esse blog é a constituição de uma nova maquinaria taxonômica através da elaboração de bancos de dados e perfis computacionais no ciberespaço. Argumentamos que diversos programas e sistemas de busca, produção e distribuição da informação na rede são também poderosos sistemas de coleta e classificação de informações sobre indivíduos, gostos, preferências, inclinações corportamentais etc. Em alguns artigos já indicados aqui, analisamos como mecanismos de busca (Google), redes sociais (Orkut) e sites de vendas (amazom.com) vêm construindo valiosos bancos de dados, alimentados pelas próprias ações e informações fornecidas pelos usuários destes serviços.

Em breve postarei um novo artigo sobre esse tema, levando em conta os novos dispositivos da Web 2.0. Antecipo, contudo, um dos serviços que merece atenção e destaque - o SPOCK. Seguindo a pista do Tim O'Reilly em entrevista mencionada no post anterior, fui conferir o serviço e ele é um excelente exemplo e uma atualização concreta das questões mencionadas acima. Trata-se de um mecanismo de busca pessoal, isso é, voltado para a busca e indexação de pessoas. Sim, o Google já permite buscar pessoas na rede, mas o Spock, por ser especializado e contar com ferramentas de classificação "colaborativas" oferece resultados bastante interessantes. Além de criar taggs para pessoas de modo automatizado, o Spock permite que os usuários adicionem suas próprias taggs, votem nas existentes, identifiquem relações entre pessoas e forneçam outros tipos de informação. Enfim, o sistema torna-se mais eficiente à medida que as pessoas o utilizam. Uma aplicação exemplar do modelo do que temos chamado de "vigilância colaborativa pu participativa", a qual é indissociável, como se pode ver, da constituição de bancos de dados, taxonomias e perfis também colaborativos.

Tim O'Reilly - web 2.0 e controle de dados


Em entrevista a WIRED, Tim O'Reilly fala do potencial da Web.20 (termo cunhado pelo autor) para coleta e controle de dados. A entrevista foi concedida na ocasião da Expo Web.20, realizada em abril de 2007 em São Francisco. Vejam a entrevista completa aqui e trecho abaixo:



"WN: Are there any trends among the companies exhibiting at Web 2.0 Expo, the kinds of services and technologies being shown?

O'Reilly: Well, obviously this is a market with a lot of froth in it already. I have to say there are a lot of me-too products and companies. Yet another social network, of the 15th flavor -- that's common in every new technology revolution. There are imitators who have marginal improvements.

One of the companies that's going live on Monday is Spock, which is a people-search engine. It's really, really impressive. It's thinking about whether there are other classes of data to which search hasn't really been applied.

That goes back to a major theme of web 2.0 that people haven't yet tweaked to. It's really about data and who owns and controls, or gives the best access to, a class of data. Amazon is now the definitive source for data about whole sets of products -- fungible consumer products. EBay is the authoritative source for the secondary market of those products. Google is the authority for information about facts, but they're relatively undifferentiated.

Why did Google, for example, recently decide to offer free 411 service? I haven't talked to people at Google, but it's pretty clear to me why. It's because of speech recognition. It has nothing to do with 411 service, it has to do with getting a database of voices, so they don't have to license speech technology from Nuance or someone else. They want their own data stream.

WN: So you think that (control of data) is actually more characteristic of web 2.0 than social networking or Ajax (asynchronous JavaScript and XML) interfaces?

O'Reilly: Absolutely. Anybody who thinks that this is about Ajax is completely missing the boat.

I do think building rich internet applications is an important part of web 2.0. I don't want to dismiss it, because we are able to build richer application platforms today. But it's ultimately about network effects, and where do you build services that get better the more people use them? And it's also about the databases that get created as a result of those network effects.

As far as I'm concerned, web 2.0 is still in its really early stages, and the reason is because the data isn't all owned yet.

The network-effects play is about how you get increasing returns by everybody using your stuff, which is really what Microsoft did on the PC. Here we see it again, where these are winner-takes-all games. The internet looks like an open platform in the beginning, but once somebody gets a lead, their service gets better fast enough, if they've harnessed all the right levers, until it becomes a real barrier to entry.

Why, despite many attempts, have we seen nobody able to dethrone eBay? Well, it's because there are network effects at work in auctions. You have a critical mass of buyers and sellers. We're seeing that with Google AdWords -- it's just a bigger and better marketplace. There are these tipping points where these services really become monopolistic.

We're still trying to move people toward really understanding what that new world looks like. I don't think a lot of people are there. A lot of people still think, "Oh, it's about social networking. It's about blogging. It's about wikis." I think it's about the data that's created by those mechanisms, and the businesses that that data will make possible."