Duas breves notas sob o impacto de Jogo de Cena, de Eduardo Coutinho:
- Raras vezes vi o confessional e o biográfico escaparem com tanta força dos limites privados, pessoais, individuais e ganharem mundo, se tornarem coletivos. A fala feminina é um veículo privilegiado para esse devir coletivo da narrativa e o filme constrói essa passagem não apenas tornando indiscerníveis e equívocas as 'donas' das falas e histórias particulares ali narradas, criando uma "enunciação sem propriedade", como diz Cezar Migliorin, mas também por criar uma sutil similitude entre as distintas histórias contadas, cujos elementos retornam em vozes diversas - a concepção, a perda, o nascimento, a morte, o filho, o pai. Os sofrimentos ali são de cada um e de todos; as histórias são ao mesmo tempo muitas e uma só, diversas e a mesma. Coutinho diz que a narrativa de si cicatriza. Neste filme, a ferida e a cicatriz são expostas e costuradas não apenas pelo ato ao mesmo tempo curativo e criativo de se colocar em discurso, de enunciar a si mesmo, mas também nessa passagem do pessoal ao comum: quando o sofrimento de cada uma se torna a dor de todas, de todos. E a dor feminina talvez seja um afeto privilegiado dessa passagem, de que sabem os gregos que inventaram Helena, ao mesmo tempo uma e toda mulher (Barbara Cassin), e também o senso comum quando diz que as mães são únicas e iguais, salvo no endereço.
- O filme me impressionou, ainda, pelo modo como pertence à atualidade: escova a contrapelo, para usar uma expressão do Benjamin retomada por Peter Pal Pelbart, a eloquência do confessional midiático. E o faz colocando a cena na sede por excelência do espetáculo - o teatro.
Atendendo a um anúncio de jornal, 83 mulheres contaram sua história de vida em um estúdio. 23 delas foram selecionadas, em junho de 2006, sendo filmadas no Teatro Glauce Rocha. Em setembro do mesmo ano várias atrizes interpretaram, a seu modo, as histórias contadas por estas mulheres.
Ficha Técnica:
Título Original: Jogo de Cena
Gênero: Documentário
Tempo de Duração: 105 minutos
Ano de Lançamento (Brasil): 2007
Estúdio: Videofilmes / Matizar
Distribuição: Videofilmes
Direção: Eduardo Coutinho
Roteiro:
Produção: Raquel Freire Zangrandi e Bia Almeida
Fotografia: Jacques Cheuiche
Edição: Jordana Berg
Nenhum comentário:
Postar um comentário