domingo, 1 de junho de 2008

Índios, visibilidade e flechas


Algumas imagens operam sobre mim uma espécie de comando de parada, demora, alerta. As recentes imagens do grupo de índios isolados na fronteira Acre-Peru e suas lanças apontadas para os nossos olhos chegam como esse tipo de "imagem-breque", que usualmente dispara uma urgência tão grande quanto a dificuldade de apreender os seus sentidos estéticos, políticos, vitais. As forças que atravessam essa imagem são muitas e o momento em que ela nos chega é afiadamente oportuno, no sentido grego, de kairos, uma vez que outro grupo de índios - os macuxis, wapixanas, entre outros - vivem um forte embate com os interesses de meia dúzia (literalmente) de latifundiários arrozeiros que questionam o inquestionável usufruto, pelos índios, de terras que eles, inclusive, ajudaram o Brasil a conquistar (numa remota disputa com a Guiana). Voltando à imagem dos índios isolados, é inquietante como ela chega ao nosso domínio visual como uma estratégia de visibilidade para garantir o isolamento e, de algum modo, a invisibilidade, a 'reserva' desse grupo de índios para quem ser visto pode ser o mesmo que ser exterminado. Daí suas flechas contundentes em nossas retinas.

3 comentários:

Anônimo disse...

É intrigante que esses olhares para o buraco da câmera (como diria um dos Ashaninka em "Shomõtsi") tem o poder de nos arrancar da posição de espectador. Aliás, isso por desestabilizar completamente a funcionalidade comunicativa, já que o lugar que poderíamos identificar como o de "receptor implícito" é completamente desconhecido. Cito, como exemplos:

1 em "Os Mestres Loucos", o olhar dirigido a Rouch/ao Hauka cinegrafista/ a mim (mas... eu quem?) do "Cabo da Guarda".

2 O olhar da última nativa da Tansmânia para a câmera fotográfica, na foto citada e reproduzida por David Thomas no excelente "Transcultura Spaces, Transcultural Beings" (aliás, uma chave para essa discussão)

3 O comentário anti-tradicional "para a câmera" do rapaz da madeira em "O poder do Sonho" (do xavante Divino Tserewahu)

4 Os olhares dos pacientes judiciários para a câmera observacional de Wiseman em "Titicut Follies"

5 O olhar dos velhos Waiãpi, dirigidos aos jovens de sua tribo (e a nós), recomendando cuidado na conservação da caça, em "Placa não fala".

O que é releante é que não há, em todos esses eventos expressivos, um conteúdo proposicional ou referente a ser representado. Talvez o efeito de sentido seja mesmo o transe, no sentido latouriano de emergência do fatiche: eu que me julgava espectador, passo a personagem; eu que julgava a câmera como instrumento comunicativo, sou feito de instrumento ("cavalo") de um fluxo quasi-sígnico que não posso controlar.

Ou, como diria o curandeiro de "The Passanger": "Existem respostas perfeitamente satisfatórias para todas as suas perguntas. Mas eu não acredito que você compreenda o quão pouco pode aprender a partir delas. Suas questões são muito mais reveladoras sobre você mesmo do que minha resposta seria sobre mim".

Anônimo disse...

Antonioni mostra o que, talvez, todos os povos autóctones necessitam fazer com a advocacy etnográfica.

"O repórter e o Curandeiro" é como chamo esse plano-sequência iluminador: (em mpeg2, em http://rapidshare.com/files/127447376/O_reporter_e_o_curandeiro.mpg)

Fernanda Bruno disse...

Caro Braulio,
Agradeço o seu rico comentário e suas precisosas dicas. Vou atrás delas. Não é todo dia que recebemos tais presentes.
Um abraço,
Fernanda