Vi há pouco o filme Milk do Gus Van Sant e comento aqui não propriamente o filme, mas uma passagem em que a privacidade (e a sexualidade) como ato político aparecem explicitamente na fala dos personagens, embora essa questão atravesse todo o filme. Diante da ameaça de demissão de professores gays, Milk e outros ativistas conclamam todos os profissionais gays a "saírem do armário" e colocarem a sua privacidade nas ruas para reivindicar direitos plenos aos homossexuais. Não é sem constrangimento, hesitação e sofrimento que os personagens envolvidos nessa luta política evocam esse ato tão íntimo de revelar a seus familiares, amigos, colegas, e mesmo a seus filhos, a sua sexualidade dita contra-natural. O filme não se demora aí, mas na transformação desse constrangimento numa ação coletiva e política em que a sexualidade sai do segredo privado e da sombra da doença que lhe imputavam, para ganhar as ruas e a festa pública e política nos seus melhores sentidos.
Todos conhecem essa e outras histórias que marcaram as lutas das ditas minorias nos anos 1960 e 1970 e a história das relações público-privado (Ehrenberg, L'individu incertain), que hoje se embaralham novamente, mas de um outro modo. Em parte da produção midiática contemporânea, a privacidade vem novamente a público, mas como entretenimento e espetáculo reforçando modelos de consumo, competitividade e performance. Entretanto, sabemos que não se esgota nesses modelos o potencial político das vidas contemporâneas e as formas com que público e privado podem se interpelar. Enquanto via o filme e ao mesmo tempo me lembrava da miséria política e sexual dos nossos reality shows, pensava na urgência de se reinventar o cu revolucionário (1) do tempo presente.
(1) O termo "baixo" é uma citação a uma "alta" origem - além de "a imaginação no poder", minorias dos anos 1960-70 clamavam "nosso cu é revolucionário", entre outras tantas conhecidas palavras de ordem.
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