O último post tratava das novas formas de identificação e reconhecimento de indivíduos no campo da vídeo-vigilância, tradicionalmente marcado e definido por uma visão sem olhar, um puro mecanismo de captura e registro de imagens sem narrativa ou intencionalidade. A incorporação de programas de visão artificial e reconhecimento visual às câmeras confere um outro papel social, político, ético e estético, aproximando-as dos dispositivos biométricos e antropométricos de controle social. São muitas as questões presentes aí, e uma delas concerne ao tipo de identificação e de controle sobre a ação e os corpos humanos implicado nesses novos formatos de diagnóstico visual de indivíduos criminosos ou perigosos. Numa primeira visada, esses dispositivos parecem estar em consonância com as novas formas de controle social, que visam diretamente a ação - e não o sujeito, sua personalidade, sua interioridade - como foco de intervenção. Não se quer, como quis a fotografia criminal e psiquiátrica, diagnosticar a alma desviante sob os traços fisionômicos tornados provas e sintomas na imagem capturada pela câmera. Não importa quem são os ladrões de bicicleta, sua condição social ou psíquica. Importa impedir furtos de bicicleta (e crimes de diversas ordens), e o modelo de eficiência não passa mais nem pelos sujeitos nem pela sociedade, mas sim por um mecanismo de reconhecimento de um padrão (visual, nesse caso), que faz soar um alarme que por sua vez impede a ação delinquente.
Conhecemos o poder e a violência dos diagnósticos visuais modernos e todo o seu interesse pelas almas perigosas e pela causalidade social do crime. Soubemos também contrapor a esse modelo, outras subjetividades e outros regimes sociais. A superficialidade do atual modelo de diagnóstico visual o faz parecer cordial e inofensivo. Mas sabemos que essa mesma aparência revela a atual face do controle - resta pensar nos enfrentamentos possíveis dessa eficácia a tal ponto asséptica e pragmática que busca não implicar nem sujeitos nem sociedades.
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