Já não é novidade encontrarmos, entre os feitos da neurociência, pesquisas que revelem os "progressos" em direção a um maior controle da memória. Parte dessas pesquisas investem em meios de produzir o esquecimento voluntário e controlado de "lembranças específicas". Recentemente, a revista Science divulgou pesquisas que apostam no uso futuro de psicofármacos e de terapias cognitivo-comportamentais na supressão de memórias indesejáveis, como as de pacientes que sofrem de estresse pós-traumático. Tais pesquisas revelam que certas drogas (como o propranolol) e certos procedimentos terapêuticos permitem uma espécie de vitória do cortex pré-frontal sobre o hipocampo, possibilitando um maior controle da memória. Mais detalhes sobre a matéria no Tecnology Review. Curiosamente, há no mesmo número uma matéria sobre o desenvolvimento de uma nova qualidade de tinta para criar tatuagens semi-permanentes, mais fáceis de apagar.
Sabe-se que essa biopolitica do esquecimento convive, em nossa cultura, com uma outra modalidade de gestão da memória, particularmente presente nas atuais práticas de vigilância, onde prevalece uma tendência de registro contínuo e de arquivamento total de informações e traços de diversas ordens em inúmeros bancos de dados. Essa conviência só confirma as relações estreitas e muitas vezes complementares entre as funções do arquivo, da lembrança e do esquecimento. Funções que pertencem à definição, à experiência e à gestão da própria memória. No campo da vigilância, do governo e da política, não nos faltam exemplos de gestão do arquivo e do registro em prol do esquecimento e do apagamento dos traços "indesejáveis", na realidade e na ficção, na vida e na representação. Dois exemplos conhecidos são o apagamento dos adversários do regime stalinista tanto no real quanto nos "retoques" das fotografias que vieram a compor o álbum oficial da revolução, e a novela 1984, de Orwell, em que o Ministério da Verdade, onde trabalha o protagonista Winston, é responsável por falsificar e apagar os dados e documentos do passado que pudessem contradizer as "verdades" do Partido; o incinerador de arquivos do passado se chama, não por acaso, de "Buraco da Memória".
Volto num próximo post às relações entre memória e esquecimento, cada vez mais complexas nos dispositivos de visibilidade e vigilância e no contexto mais amplo da cultura contemporânea.
Uma última palavra, sobre o caráter hipomnésico do arquivo, com Derrida: "diretamente naquilo que permite e condiciona o arquivamento só encontraremos aquilo que expõe à destruição e, na verdade, ameaça de destruição, introduzindo a priori o esquecimento e a arquiviolítica no coração do monumento...O arquivo trabalha sempre a priori contra si mesmo" (Mal de arquivo, p. 23, Relume Dumará, 2001).
Sabe-se que essa biopolitica do esquecimento convive, em nossa cultura, com uma outra modalidade de gestão da memória, particularmente presente nas atuais práticas de vigilância, onde prevalece uma tendência de registro contínuo e de arquivamento total de informações e traços de diversas ordens em inúmeros bancos de dados. Essa conviência só confirma as relações estreitas e muitas vezes complementares entre as funções do arquivo, da lembrança e do esquecimento. Funções que pertencem à definição, à experiência e à gestão da própria memória. No campo da vigilância, do governo e da política, não nos faltam exemplos de gestão do arquivo e do registro em prol do esquecimento e do apagamento dos traços "indesejáveis", na realidade e na ficção, na vida e na representação. Dois exemplos conhecidos são o apagamento dos adversários do regime stalinista tanto no real quanto nos "retoques" das fotografias que vieram a compor o álbum oficial da revolução, e a novela 1984, de Orwell, em que o Ministério da Verdade, onde trabalha o protagonista Winston, é responsável por falsificar e apagar os dados e documentos do passado que pudessem contradizer as "verdades" do Partido; o incinerador de arquivos do passado se chama, não por acaso, de "Buraco da Memória".
Volto num próximo post às relações entre memória e esquecimento, cada vez mais complexas nos dispositivos de visibilidade e vigilância e no contexto mais amplo da cultura contemporânea.
Uma última palavra, sobre o caráter hipomnésico do arquivo, com Derrida: "diretamente naquilo que permite e condiciona o arquivamento só encontraremos aquilo que expõe à destruição e, na verdade, ameaça de destruição, introduzindo a priori o esquecimento e a arquiviolítica no coração do monumento...O arquivo trabalha sempre a priori contra si mesmo" (Mal de arquivo, p. 23, Relume Dumará, 2001).
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