domingo, 11 de abril de 2010

Intelligent Video Surveillance (I): o infra-individual e o controle


Uma das questões recorrentes acerca das sociedades de controle e das formas de vigilância que lhes são próprias, consiste nas possibilidades de subjetivação aí em jogo, uma vez que um aspecto do controle como regime de poder característico das sociedades contemporâneas é sua atuação e investimento no âmbito do que proponho chamar de "infra-individual", isto é, em "alvos" ou "targets", para usar uma terminologia comum no marketing, que não consistem no indivíduo enquanto totalidade, unidade ou interioridade, mas sim em ações, comportamentos, ritmos, movimentos, traços parciais - corporais, informacionais etc - que podem inclusive estar desvinculados, na sua base, de formas de identificação dos indivíduos que os originam.
Com essa questão no horizonte, resolvi explorar um dispositivo de vigilância relativamente "novo", que já me inquietava fazia algum tempo - a vídeo-vigilância inteligente -, que atualiza essa dimensão infra-individual do controle.
Esta exploração resultou num texto "A Brief Cartography of Smart cameras: proactive surveillance and control" que será publicado como capítulo do livro ICTs for Mobile and Ubiquitous Urban Infrastructures: Surveillance, Locative Media and Global Networks (Orgs. Rodrigo Firmino, Fábio Duarte e Clovis Ultramari) e numa conferência no Simpósio Internacional Identificación, Identidad y Vigilância en América Latina na UAEM, México (ver post). Reproduzo abaixo alguns trechos do meu texto e da conferência:

"O que é ou pretende ser a vídeo-vigilância inteligente? Este dispositivo é anunciado como uma nova “geração” da vídeo-vigilância que exerce modos de monitoramento automatizado do comportamento. Na maioria dos casos, pretende-se que tais câmeras reconheçam e diferenciem padrões regulares de conduta e ocupação do espaço, tidos como seguros, e padrões irregulares, categorizados como suspeitos, perigosos ou simplesmente não funcionais. As chamadas “smart cameras” ou “intelligent video surveillance” consistem em softwares que se adicionam às câmeras e filtram ou lêem em tempo real as imagens segundo algoritmos que ressaltam indivíduos, objetos, atitudes que devem ser o foco de atenção da “cena”, conforme as aplicações pré-definidas no sistema. Um corpo parado por um dado período de tempo muito próximo à faixa de segurança que antecede os trilhos de uma estação de metrô, por exemplo, deve ser automaticamente ressaltado no painel de vigilância de modo a possibilitar uma intervenção a tempo de impedir o possível salto mortal de um suicida potencial. O mesmo dispositivo pode ressaltar automaticamente na tela um objeto deixado na estação, indivíduos ou grupos de pessoas com comportamentos suspeitos, corpos se movimentando no contra-fluxo ou qualquer situação previamente categorizada como devendo ser destacada no campo atencional da máquina e/ou dos operadores de câmera. Nos termos técnicos:
Intelligent visual surveillance systems deal with the real-time monitoring of persistent and transient objects within a specific environment. The primary aims of these systems are to provide an automatic interpretation of scenes and to understand and predict the actions and interactions of the observed objects based on the information acquired by sensors. (Intelligent distributed video surveillance systems, Sergio A. Velastin, Paolo Remagnino, Institution of Electrical Engineers, 2006, p. 1)"
"Nesta delegação perceptiva e atencional são definidos e reiterados não apenas parâmetros técnicos e administrativos de eficiência, mas também parâmetros de visibilidade, vigilância e controle do espaço e do comportamento humano. É precisamente o que nos interessa destacar: tais sistemas evidenciam o que se define hoje como devendo ser visível e notável no campo da vigilância.
Num contexto de excesso de imagens e escassez de atenção, que é o caso dos operadores de vídeo-vigilância, mas também o das sociedades contemporâneas em geral, é preciso filtrar o que é relevante. Nestes sistemas, só vale ser visto, já está claro, o que é irregular, não usual.
Mas é preciso lembrar: o irregular é índice de ameaça ou suspeita, eis porque ele deve ocupar a frente da cena. Mais ainda: a irregularidade em questão não se confunde mais com os focos dos regimes de visibilidade disciplinares, que liam sob o desvio comportamental, uma alma anormal. Aqui, o desvio comportamental é índice de um risco iminente, de uma ação indesejada ou ameaçadora, não importando tanto as motivações ou traços psicológicos que subjazem à ação.
Claro que essa tarefa de flagrar irregularidades ou mesmo de antecipá-las, já está presente na vídeo-vigilância convencional e em outras formas de inspeção humana ou maquínica. Entretanto, neste caso, a atenção ao irregular já está incorporada à própria máquina de visão, tornando mais explícito o tipo de ordenação do visível aí presente, uma ordenação sob a ótica da suspeita, e que pretende se antecipar aos próprios eventos (...)
Ora, diferentemente da escala ótica disciplinar, os sistemas de vídeo-vigilância inteligentes colocam em cena uma observação do cotidiano que rastreia os corpos e os espaços por um movimento de varredura que não se preocupa tanto nem com a minúcia do detalhe nem com a objetivação das diferenças individuais que permitam ver através dos gestos, atividades e desempenhos, uma interioridade não menos rica em detalhes.
Trata-se de um olhar algorítmico menos atento aos detalhes e profundidades do que aos padrões de superfícies e movimentos dos corpos, os quais são apreendidos mais em seus contornos gerais do que em sua individualidade. Certos softwares utilizam, inclusive, o termo “silhouete” para designar os padrões correspondentes a determinados movimentos corporais."
"Nos encaminhamos para um segundo aspecto que pretendo destacar nestes sistemas: o foco de observação é menos a identificação dos indivíduos do que as suas ações e comportamentos; mais do que o agente, focaliza-se a ação. Num mundo altamente institucionalizado e mediado como o nosso, os mecanismos de controle, no lugar de focalizarem os suportes de uma consciência que sustenta a ação, se organizam em torno da própria ação (Lianos, 2008).
Vejam o que diz o pesquisador James W. Davis, responsável pela construção de um sistema de "intelligent video" voltado para análise de comportamento e antecipação de situações que possibilitem perseguir automaticamente um alvo suspeito, alem de incluir visão de 360O (fish-eye lens) e imagem de alta resolução:
We care what you do, not who you are. We aim to analyze and model the behavior patterns of people and vehicles moving through the scene, rather than attempting to determine the identity of people. ”
We are trying to automatically learn what typical activity patterns exist in the monitored area, and then have the system look for atypical patterns that may signal a person of interest -- perhaps someone engaging in nefarious behavior or a person in need of help”.
As smart cameras e seus sensores encarnam um tipo de poder e conhecimento sobre corpos, comportamentos e modos de habitação do espaço, que os monitora à distância, transformando em informação suas ações no espaço físico. Essas informações permitirão extrair padrões do que seriam as condutas regulares e do que seriam as condutas irregulares. Tais padrões devem, contudo, possibilitar intervenções, planejamentos, cálculos seja no campo da vigilância e da segurança, detectando comportamentos suspeitos, prevendo e prevenindo riscos, seja no campo da gestão, do consumo ou da ordenação dos corpos e seus fluxos, provendo esse espaço de informações que induzam trajetórias, capturem a atenção, mobilizem ações e interesses. A intelligent video surveillance, em certa medida, vai de par com os ambientes ditos inteligentes, que adicionam ao espaço camadas informacionais, ampliando as suas possibilidades de interação com os corpos presentes e permitindo que estes sejam interpelados de forma contextual pelo próprio ambiente em seu entorno. Nos termos de Manovich (2006),
By tracking the userstheir mood, pattern of work, focus of attention, interests, and so onthese interfaces acquire information about the users, which they then use to automatically perform the tasks for them. The close connection between surveillance/monitoring and assistance/augmentation is one of the key characteristics of the high-tech society.""

Referência dos trechos reproduzidos acima:
Bruno, Fernanda. A Brief Cartography of Smart cameras: proactive surveillance and control. In: Firmino, R; Duarte, F.; Ultramari, C. (Orgs). ICTs for Mobile and Ubiquitous Urban Infrastructures: Surveillance, Locative Media and Global Networks. IGI Book, 2010 (no prelo).

3 comentários:

Tânia Marques disse...

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