Antes tarde...eis aqui breves notas e impressões sobre o Simpósio Identidad, Identificación y Vigilância en América Latina. A conferência de abertura, proferida por David Lyon, forneceu um ótimo panorama sobre a temática geral do evento. Lyon é um dos pesquisadores mais importantes da área de "surveillance studies" e sua fala no evento focalizou seu último trabalho Identifying citizens: ID cards as surveillance, o qual recomendo a que tem interesse sobre o tema. Lyon explora o diagnóstico de que vivemos uma ampliação das formas de governo pela gestão da identidade (identity management). Chama atenção para a ambiguidade deste processo, que transita entre a cidadania e a discriminação. Esta ambiguidade reapareceu em vários trabalhos do Simpósio, mas de forma diferenciada. Simplificadamente, na América Latina, essa ambiguidade está menos atrelada ao temor do "outro", do estrangeiro, ou de uma ameaça que vem de "fora", do que às nossas complicadas dinâmicas de inclusão/exclusão social. Retomo este ponto adiante.
A conferência de Nelson Botello e Roberto Fuentes Rioda, organizadores do evento, foi excelente para visualizarmos o que os autores chamam de "guerra pela identidade" no México, especialmente presente no embate pelo controle das bases de dados sobre os cidadãos mexicanos, as quais estão divididas em dois grandes bancos - um biométrico e outro político - e que são mantidos apartados devido ao histórico de fraudes eleitorais no país. Em suma, o Estado não pode cruzar os dados biométricos com os dados geográficos dos indivíduos, uma vez que isso poderia a levar a abusos e manipulações. Outro dado significativo da fala de Botello e Rioda foi mostrar como a expansão dos dispositivos de vigilância no México estão atreladas ao sequestro e à morte do jovem Fernando Marti, que se tornou emblemática da "insegurança" justificando medidas nos mais diversos setores da segurança e da vigilância. Embora vejamos esses "casos exemplares" de grade repercussão midiática figurarem em outras partes do mundo, são especialmente notáveis as semelhanças com o Brasil. Nelson Arteaga Botello acaba de lancar o livro Sociedad de la Vigilancia en el Sur-Global: mirando América Latina (UEAM, 2009). Recomendo!
Participei como conferencista convidada e falei sobre "Vigilância proativa e controle: o caso da vídeo-vigilância inteligente". O debate com os colegas e o público presente foi ótimo e enriquecedor; espero fazer um post com mais detalhes sobre a conferência.
Entre os trabalhos apresentados no segundo dia, destaco o excelente trabalho de Hille Koskela sobre o Texas Virtual Border Watch. Foi interessante notar os desdobramentos do trabalho de Koskela e do seu próprio "objeto de análise" em relação à sua primeira apresentação no Simpósio de Curitiba: embora a retórica do Texas Virtual Border Watch permaneça fortíssima, os dados mostram o seu descontrole e fracasso em criar uma comunidade virtual de observadores-controladores de fronteira.
Um prazer também ouvir e ver o belo trabalho de Maurício Lissovsky sobre fotografias da polícia política brasileira. Agamben e Bakhtin numa exploração sobre os jogos de exibição e ocultamento, de observador e observado, de produção de marcas e autorias, de uma vigilância fotográfica marcada pela enunciação e que se torna, no fim, auto-retrato. Lindo trabalho, que nos ensina a exploração estética do olhar policial.
Ainda no campo da estética, foi uma ótima surpresa a participação de Milena Szafir com suas instigantes Performances Panopticadas. Conhecia apenas superficialmente o trabalho da Milena, que promove um ótimo curto-circuito entre a vigilância, a arte e o espetáculo, e foi uma grata satisfação rever suas performances no Simpósio.
Retornando ao tema da identificação e da vigilância, os ótimos trabalhos de Marta Kanashiro & Danilo Doneda e de Rodrigo Firmino & David Wood levaram ao público mexicano uma ótima reflexão sobre as tensões entre inclusão/exclusão, cidadania/controle na gestão da identidade civil no Brasil. Kanashiro & Doneda focalizam a implementação do Registro Único de Identidade Civil, enquanto Firmino & Wood questionam as fronteiras entre a cidadania e o controle nos sistema de identificação no Brasil.
Dentre os trabalhos relacionados à vida, à política, ao território e às identidades mexicanas, foi especialmente bom ouvir as pesquisas sobre as identidades indígenas no México, com as quais aprendi um pouco sobre a riquíssima e complexa cultura mexicana e seus embates identitários.
Last but not least: meus agradecimentos especialíssimos a Nelson Arteaga Botello, Roberto Fuentes Rioda e Vanessa Lara e toda a equipe da UAEM pela excelente organização do Simpósio, pela acolhida e hospitalidade impecáveis e pelos saborosíssimos momentos sociais e gastronômicos. Gracias!
Este segundo Simpósio da Rede Latino-Americana de Estudos sobre Vigilância foi fundamental para a consolidação desta rede e dela esperamos ótimos desdobramentos acadêmicos, intelectuais e políticos. O próximo Simpósio deve acontecer na Argentina, mas ainda está sujeito a confirmação.
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