terça-feira, 16 de março de 2010

Simposio Identidad, Identificatión y Vigilancia en América Latina


Começa hoje o Simpósio Internacional Identidad, Identificación y Vigilancia en América Latina na bela Universidad Autónoma des Estado de México. David Lyon faz a conferência de abertura - "Por favor, muéstreme su identificación: surveillance and identification in Latin América". Amanhã farei a primeira conferência do dia, cujo tema é "Vigilância proativa e controle: o caso da vídeo-vigilância inteligente". Mais duas conferências estão no programa do Simpósio: "Privacidad y identificación: el contexto latinoamericano", de Katitza Rodríguez (EPIC, International Privacy Program) e "Transparencia y protección de datos en México", de Hiram Piña Libién (Universidad Autónoma des Estado de México).
Além das conferências, diversos pesquisadores apresentarão seus trabalhos em mesas ao longo dos três dias do Simpósio. A programação completa está disponível aqui e espero postar as minhas impressões a cada dia do evento. Acompanhe também os posts do twitter, mais breves porém mais próximos do tempo do evento.
Saludos!

quinta-feira, 4 de março de 2010

Cuide de você (Comentário de Ilana Feldman)

Reproduzo o ótimo comentário que Ilana Feldman fez sobre meu último post acerca da exposição Cuide de Você (Sophie Calle). Assim que o tempo permitir, continuo o diálogo e agradeço desde já a Ilana por me dar a rara oportunidade de fazer a palavra circular neste blog.


"Fernanda,

Um prazer ler teus belos comentários. E este mesmo prazer me mobiliza a comentar algumas estratégias da Calle que, me parecem, caminham em sentido reverso do que dizes.

De antemão, é preciso dizer que vi a exposição aqui em São Paulo, no Sesc Pompéia, então minha percepção advém também de certa organização do espaço. Tendo em vista essa organização e disposição dos elementos na “cena”, meu primeiro questionamento, de saída, é a presença da carta original de X, na verdade um email, impressa em papel e distribuída aos espectadores ao final do percurso. Ora, se a exposição trata, prioritariamente, da questão da mediação, mediação que, a partir de leituras, análises, interpretações e dissecações de 107 leitoras, permite que mentalmente (e inventivamente) remontemos e reescrevamos esta, vale dizer, banal carta, por que a carta de X, a “carta em sim mesma”, precisa nos ser então revelada? Este gesto para mim, ao contrário de “multiplicar os lugares de fala a partir das passagens do individual ao coletivo” (algo que belamente acontece no filme Jogo de cena, de Eduardo Coutinho, como já comentaste aqui no blog), resvala em unívoca, estreita e simplória “vontade de verdade” (Nietzsche). Contraditoriamente então, em vez do elogio (ou da problematização) da mediação, temos simplesmente uma resposta a um desejo (tão culturalmente sedimentado) de acesso à verdade de uma suposta imediatez: o objeto de disputa e de discurso em si mesmo, fetichizado.

Outro ponto que me parece importante diz respeito ao repertório - burguês - dessas 107 mulheres escolhidas, cujas posições sociais são praticamente homogêneas, à exceção da papagaia, claro, da agente penitenciária e da adolescente dona do melhor comentário: “Ele se acha!”. Toco nessa questão da posição social porque o dispositivo que sustenta a exposição me parece sofrer de uma grave entropia: no geral, a diversidade das leituras encobre, a meu ver, uma mesma posição discursiva, uma mesma posição sentimental, marcada pelos códigos de reação do melodrama burguês - o ressentimento feminino -, ainda que vez ou outra haja algum humor. Porém, como Sophie Calle não é boba, o que ela faz para evitar esse lugar (re)sentimental? Ela convida profissionais liberais, mulheres “bem sucedidas”, dotadas de “talento” e de expertise técnica para “interpréter la lettre sous un angle professionnel”. Esta é a estratégia que mais me choca porque, ainda que ela seja uma interessante “arma” para a vingança do abandono e do amor perdido, ela se equipara a todas as outras estratégias de tecnificação e instrumentalização da linguagem. Estratégias que, como sabemos, sustentaram os mais terríveis regimes políticos e ainda hoje sustentam os mais terríveis modos de gestão empresarial.

Por fim, como o nome da exposição já diz, o “cuidado de si” - ainda que capitalizado na forma de um dispositivo “artístico e terapêutico”, como dizes - foi tornado um modo de gestão e administração da dor em que o feminino, no lugar do espaço coletivo e social da partilha, da transgressão e da traição (em relação à tradição), é revertido em mera “consultoria”.

Bem, Fernanda, desculpe o tão longo comentário, mas essa exposição me fez sair engasgada, para não dizer irada, e só a riqueza do teu post para me fazer conseguir desengasgar.

Beijo, Ilana"