domingo, 19 de outubro de 2008

CCTV Report


Cartaz do Setor de Transportes de Londres

Mais um relatório britânico (Home Office Research) mostra a ineficiência do uso de câmeras de vigilância (mais especificamente de Circuitos Fechados de TV/CFTV ou CCTV em inglês) na redução de crimes (via Carnet de Notes). Como de costume em boa parte dos relatórios governamentais, a ineficácia do dispositivo de vigilância/segurança não é suficiente para colocá-lo em questão. Atribui-se a ineficácia ao mau uso do dispositivo ou a um excesso de expectativas, ou ainda a uma dificuldade, exterior ao dispositivo, de se mensurar um fenômeno complexo como a redução de crimes. Selecionei alguns extratos das conclusões e projeções que ilustram essa perspectiva:

"Seria fácil concluir a partir das informações apresentadas neste relatório que o CFTV não é eficaz: a maioria dos sistemas avaliados não reduziram a criminalidade e mesmo onde houve uma redução isso não foi principalmente devido ao CFTV; nem sistemas de CFTV fizeram as pessoas se sentirem mais seguras e muito menos mudaram seu comportamento. Isso, no entanto, seria uma conclusão muito simplista, e por várias razões (...) O fracasso em atingir os objectivos de prevenção da criminalidade foi sem dúvida menos um fracasso do CFTV como medida de prevenção do crime do que da forma como foi gerido. (...) Finalmente, embora o público em sua maior parte não tenha se sentido mais seguro, e apesar de perceberem o CFTV como menos eficaz do que se pensava inicialmente, ele ainda era predominantemente a favor de seu uso. (...) Não deve ser esperado muito do CCTV. Ele é mais do que apenas uma solução técnica, ele exige a intervenção humana para funcionar com a máxima eficiência e os problemas que ajuda a resolver são complexos. Ele tem potencial, se bem gerido, frequentemente ao lado de outras medidas, e em resposta a problemas específicos, para ajudar a reduzir a criminalidade e aumentar a sensação de segurança pública, podendo gerar outros benefícios".

Diferentemente de outros relatórios, como os elaborados pelo Urban Eye (2004) e o Surveillance Studies Network (2006), este procura reafirmar, malgrado os dados produzidos pela própria pesquisa, a utilidade potencial das câmeras de vigilância para a segurança. Outros elementos do relatório que são dignos de nota:
- na avaliação da relação vigilância/segurança, a pesquisa não leva em conta apenas as ocorrências criminais, mas também o sentimento de insegurança. As câmeras não têm sucesso efetivo em nenhum dos casos, mas é menos ineficiente na redução do sentimento de insegurança, o que permite entender o empenho dos governantes na ampliação dos sistemas de CFTV;
- ainda sobre o sentimento de insegurança, ele é maior entre aqueles que são conscientes da presença das câmeras do que entre aqueles que não o são, e tal consciência não diminui a sensação de insegurança.
- curioso notar que em alguns casos há aumento de ocorrências criminais nas áreas monitoradas, embora o relatório afirme não haver relação direta entre uma coisa e outra.
- nas projeções para o futuro e o "bom uso" da videovigilância, sugere-se um maior investimento na biometria e nos softwares de análise "inteligente" das imagens de vigilância.

O que não é posto em questão no relatório e em boa parte das políticas públicas de videovigilância:
- o nexo entre segurança e vigilância não é evidente nem necessário. Ou seja, nem a vigilância garante a segurança nem esta legitima necessariamente aquela, uma vez que os sentidos e as experiências possíveis da segurança ultrapassam em muito as práticas de vigilância;
- não é suficiente e pode ser mesmo falacioso avaliar as implicações sociais da videovigilância em termos de eficiência na redução de crimes. O mais importante a ser visto aí não é o fato de as câmeras serem ineficientes naquilo a que se propõem, mas o fato de a eficiência não poder ser o critério que justifica ou legitima a videovigilância. O foco na eficiência deixa fora do campo de reflexão os princípios que governam a videovigilância e suas implicações éticas, políticas, sociais e subjetivas.
- é preciso quebrar a lógica policial e recursiva presente no discurso da eficiência\ineficiência. Como já afirmei em outros posts, essa lógica não admite outra saída além daquela que reafirma a necessidade e a ampliação dos dispositivos de vigilância. Se a questão é a eficiência e o dispositivo não funciona, é porque ele ainda não é suficientemente bem utilizado ou porque ainda é preciso incrementar as suas condições técnicas. Nesta equação policial, quanto menos eficiência, mais vigilância é requerida - seja na forma de um melhor uso, seja na forma de aperfeiçoamentos técnicos.

Um comentário:

paoleb disse...

boas questões para levantar a bola no dia 05!