Seguindo a trilha de artistas e ativistas que se apropriam de imagens de vídeo-vigilância em seus trabalhos, o grupo de rock indie britânico The Get Out Clause lança um clip no YouTube proclamando que as imagens do video foram capturadas por câmeras de CFTV na cidade de Manchester. O grupo teria tocado em frente as câmeras e depois solicitado as imagens às instâncias de direito (conforme prevê a lei de regulamentação das imagens de CFTV no Reino Unido). No entanto, lamentável, o grupo foi desmentido e sua suposta inventividade contestadora tornou-se um pobre golpe de marketing. Boa parte das imagens do clip tem apenas uma aparência de vídeo-vigilância, mas não são efetivamente capturadas pelos circuitos de CFTV de Manchester. Muito mais interessante seria não declarar a natureza das imagens do clip e deixar ambíguo o seu estatuto, o que, aí sim, poderia ter uma força estética, política e mesmo comercial. Pois o episódio, pela contra-mão, nos põe a pensar no estatuto e no efeito das imagens de videovigilância, as quais, como se sabe, gozam de um poder de evidência e "prova" que nenhuma outra imagem contemporânea reivindica. O exemplo mais patente disso é a aceitação, por parte da justiça em diversos países, dos registros de CFTV como prova (o que há muito não acontece com a fotografia nem o vídeo). Este episódio, sem querer, nos mostra como não há realidade nem verdade (no sentido clássico de adequação representação-coisa) que resista a uma imagem. Mostra, ainda, como o efeito de verdade pretendido pelas imagens de CFTV circulam tanto nos imaginários policial e jornalístico (hoje cada vez mais próximos, ao menos no Brasil) quanto no imaginário artístico, contestatório e comercial. No caso do grupo de rock, as imagens estão a serviço não tanto de uma prova de realidade, mas de um efeito de contra-vigilância e autenticidade roqueira. Poderia ser bom se não se pretendesse verdadeiro. É preciso revisitar as potências do falso sem cair no vão oco do niilismo. A matéria vem do Écrans, via Carnet.
Um comentário:
Que mico... De toda forma, a "sacada" dos roqueiros poderia ser chamada de pioneira (se de fato tivessem se apropriado das imagens) apenas no mundinho do videoclip, não é verdade? Pois como já vimos tantas vezes, aqui e em outros sítios, pioneiros mesmo são Michael Klier, Surveillance Camera Players, Michele Teran, Manu Luksch e tantos outros artistas e ativistas que vêm jogando com as ambiguidades constitutivas das imagens de circuitos de video. Gostei muito do post, e especialmente da frase "pensar no estatuto e no efeito das imagens de vídeo-vigilância, as quais, como se sabe, gozam de um poder de evidência e "prova" que nenhuma outra imagem contemporânea reivindica", vou me apropriar ;-)
Postar um comentário