sábado, 12 de maio de 2012

A materialidade dos enunciados: Foucault e Teoria Ator-Rede


Um das minhas aulas no curso "A vida secreta dos objetos: tecnologia, cognição e materialidades da comunicação" se propôs a estabelecer um diálogo entre Foucault e a Teoria Ator-Rede. Abaixo, um trecho de A arqueologia do Saber (Foucault, 1987) sobre a materialidade dos enunciados:

"Poderíamos falar de enunciado se uma voz não o tivesse enunciado, se uma superfície não registrasse seus signos, se ele não tivesse tomado corpo em um elemento sensível e se não tivesse deixado marca - apenas alguns instantes - em uma memória ou em um espaço? Poderíamos falar de um enunciado
como de uma figura ideal e silenciosa? O enunciado é sempre apresentado através de uma espessura material, mesmo dissimulada, mesmo se, apenas surgida, estiver condenada a se desvanecer. Além disso, o enunciado tem necessidade dessa materialidade; mas ela não lhe é dada em suplemento, uma vez bem estabelecidas todas as suas determinações: em parte, ela o constitui. Composta das mesmas palavras, carregada exatamente do mesmo sentido, mantida em sua identidade sintática e semântica, uma frase não constitui o mesmo enunciado se for articulada por alguém durante uma conversa, ou impressa em um romance; se foi escrita um dia, há séculos, e se reaparece agora em uma formulação oral. As coordenadas e o status material do enunciado fazem parte de seus caracteres intrínsecos."
...
"Essa materialidade repetível que caracteriza a função enunciativa faz aparecer o enunciado como um objeto específico e paradoxal, mas também como um objeto entre os que os homens produzem, manipulam, utilizam, transformam, trocam, combinam, decompõem e recompõem, eventualmente destroem. Ao invés de ser uma coisa dita de forma definitiva - e perdida no passado, como a decisão de uma batalha, uma catástrofe geológica ou a morte de um rei -, o enunciado, ao mesmo tempo que surge em sua materialidade, aparece com um status, entra em redes, se coloca em campos de utilização, se oferece a transferências e a modificações possíveis, se integra era operações e em estratégias onde sua identidade se mantém ou se apaga. Assim, o enunciado circula, serve, se esquiva, permite ou impede a realização de um desejo, é dócil ou rebelde a interesses, entra na ordem das contestações e das lutas, torna-se tema de apropriação ou de rivalidade."

Um comentário:

Anônimo disse...

Adorei a interlocução! Mas como ficaria então a importância que Foucault dá ao reposicionamento do sujeito pela etnografia, valorizada por Latour e pela psicanálise da qual Latrou tenta desviar de certa maneira? Estaria Latour sendo lido como distante da subjetividade da qual ele trata como apreensível pelos seus próprios rastros tal qual a psicanálise?