Um post às pressas. O terrível desastre natural no Japão - terremoto e tsnunami - traz consigo dois desastres adicionais, um técnico, outro político. Natureza, tecnologia e política, três termos que modernamente mantemos em domínios apartados mostram-se, em seus desastres, panes, excessos, extremamente imbricados. O desastre natural, ainda que excessivo e de certa forma surpreendente, já não habita mais o reino do que transcende à ação humana, mas do que nos lembra da rede complexa de interconexões entre nossas ações locais e algo tão global como "a natureza". Mas a presença de usinas nucleares em territórios de risco, como o Japão, representa uma outra concepção de relação entre natureza e tecnologia, onde se supõe que esta pode dominar, domar ou ao menos "resistir" às intempéries da natureza. Outro mito moderno da técnica que desaba tragicamente, e ainda uma vez, em solo japonês. O desastre político consiste precisamente na tentativa de compreender ou contornar o problema mantendo apartados esses processos extremamente encadeados, supondo que a questão é, ou de ordem tecnocientífica, ou de ordem natural, ou de ordem política, mal-entendendo esta última como a ordem dos interesses que vêm 'manipular' ou 'macular' o bom curso de uma ação supostamente tecnocientífica neutra e desinteressada. Contudo, muito ao contrário, o enfrentamento deste triplo desastre não pode consistir num afastamento ou neutralização das ações e interesses políticos. A urgência e gravidade do desastre requerem, antes, uma intensificação dos debates e negociações políticos à condição de que esta seja entendida não como oposta ou exterior à natureza e à tecnologia, mas como cosmopolítica (Stengers e Latour), como a arte de ampliar o coletivo, o número de seres que aí são capazes de agir e de falar: homens, coisas, entes naturais não humanos. Nesta semana, no curso de Bruno Latour precisamente sobre Filosofia Política da Natureza, sob o impacto dos desastres no Japão, o texto de referência era "A grande transformação", clássico de 1944, do historiador (ou antropólogo) da economia, Karl Polanyi. A partir do desmonte que o autor faz da utopia do mercado auto-regulador, Latour volta e meia "desviava" o problema para o presente atualíssimo, chamando a atenção para a necessidade de se passar da economia à ecologia, uma ecologia política, definindo política como "obtenção de acordos e abertura de possíveis". Uma das últimas frases desta obra em ano de fins de guerra ressoava como se pudesse ser dita hoje - o autor afirma que malgrado todo o "desenvolvimento econômico", "o homem resta fora de sua habitação". Muitos japoneses vivem hoje concretamente essa "evacuação" de sua própria morada. Mas o Japão é o mundo e o que está em jogo é nada menos que a nossa possibilidade de habitá-lo.
3 comentários:
OLÁ FERNANDA,
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Caríssima, nessa seara da teoria ator-rede, acho que o Michel Callon aprofunda melhor as consequências da visão "constutivista" do Polanyi.
Aliás, há aí um fio a ser puxado que pode ajudar a entender o momento que vivemos.
O primatólogo Frans de Waal demonstra a construção ideológica por detrás da afirmação de que a essência do mundo animal é o "todos contra todos" que os liberais projetam nos mercados.
M. I. Finley ataca os historiadores por exportarem nossos conceitos de economia para o mundo clássico, em particular Grécia e Roma. Pelo contrário, em grande parte são realidades incomensuráveis.
Já Marcel Mauss analisa relações "econômicas" onde não existe a idéia de acumulação e o status social se baseia justamente no conceito do "dom" ou da "graça".
E Polanyi completa essa trilha mostrando que mesmo nas sociedades "ocidentais" e "modernas" o conceito de "livre mercado" é não apenas recente como sua introdução foi motivo de forte resistência social.
É nesse ambiente que os estudos antropológicos de Callon et alli se tornam essenciais para demonstrar que mercados devem ser ditos sempre assim, no plural, e que representam sempre uma construção, uma cartografia.
O passo culminante e decisivo, que ainda falta ser dado, é entender, então, como se constrói o mais abstrato, e portanto mais potente, conceito capitalista: o valor!
Caro Gustavo,
Bom ler seu comentário. Boa trilha essa que apontas. Vou buscar o Callon, obrigada pela dica e, sim, suponho que uma genealogia do concento capitalsta de valor resta por fazer. Conte-me caso escreva algo sobre isso.
um abraço,
Fernanda
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