[Nota: Este post foi escrito em 03 de fevereiro 2011 e por lapso meu não foi publicado, permanecendo até agora nos "rascunhos". Após ler hoje impressões recentes do Egito no blog do Cezar Migliorin, que acabou de voltar de lá, quis rever este post, flagrei o lapso e finalmente o publico, com atraso ainda maior do que ele já anunciava. Curioso ver como essa impressão, ainda no calor do início da primavera árabe, poderia ser parcialmente reescrita].
Este post chega atrasado, se considerarmos a urgência e relativa velocidade dos protestos e transformações recentes no chamado mundo árabe. Atrasado também em relação à pauta midiática, neste momento dedicada ao terrível terremoto no Japão e ao difícil e violento conflito na Líbia. Mas este post é uma espécie de traço mnemônico, para recuperação futura, de uma das imagens que mais me comoveram no curso da minha atenção flutuante pelo turbilhão de fotografias e vídeos das mais diversas proveniências que circularam sobre o tema desde que o levante na Tunísia começou. Suponho que muitos viram esta emblemática imagem do recuo das forças policiais frente ao avanço insubordinado da multidão por uma ponte sobre o Nilo no Cairo. Vi imagens semelhantes a essa enquanto seguia os acontecimentos "ao vivo" pela Internet, mas nunca consegui recuperá-las, o que não se deu com essa, que foi veiculada pela CNN, entrando para os arquivos mais facilmente rastreáveis. Enquanto via, ainda ao vivo, a sensação era próxima àquela diante das imagens do atentado de 11 de setembro, 2001. Não pelo que colocavam em jogo, nem pelo que produziam, mas pelo caráter emblemático e tão "obviamente" simbólico dessa imagem de resistência, de inversão das relações de força, de confronto com o poder, evidentemente expostos nos signos que ela condensa - a marcha vitoriosa da multidão, o recuo da força policial, a ponte como limiar, transição, passagem. Um gênero de imagem contra-hermenêutica, pois nada há a interpretar, nenhum sentido oculto ou recolhido. Imagem que força a pensar (e agir) para além dela, em torno, ao lado, depois ou a partir dela, no impulso mesmo do acontecimento que expressa.
Este post chega atrasado, se considerarmos a urgência e relativa velocidade dos protestos e transformações recentes no chamado mundo árabe. Atrasado também em relação à pauta midiática, neste momento dedicada ao terrível terremoto no Japão e ao difícil e violento conflito na Líbia. Mas este post é uma espécie de traço mnemônico, para recuperação futura, de uma das imagens que mais me comoveram no curso da minha atenção flutuante pelo turbilhão de fotografias e vídeos das mais diversas proveniências que circularam sobre o tema desde que o levante na Tunísia começou. Suponho que muitos viram esta emblemática imagem do recuo das forças policiais frente ao avanço insubordinado da multidão por uma ponte sobre o Nilo no Cairo. Vi imagens semelhantes a essa enquanto seguia os acontecimentos "ao vivo" pela Internet, mas nunca consegui recuperá-las, o que não se deu com essa, que foi veiculada pela CNN, entrando para os arquivos mais facilmente rastreáveis. Enquanto via, ainda ao vivo, a sensação era próxima àquela diante das imagens do atentado de 11 de setembro, 2001. Não pelo que colocavam em jogo, nem pelo que produziam, mas pelo caráter emblemático e tão "obviamente" simbólico dessa imagem de resistência, de inversão das relações de força, de confronto com o poder, evidentemente expostos nos signos que ela condensa - a marcha vitoriosa da multidão, o recuo da força policial, a ponte como limiar, transição, passagem. Um gênero de imagem contra-hermenêutica, pois nada há a interpretar, nenhum sentido oculto ou recolhido. Imagem que força a pensar (e agir) para além dela, em torno, ao lado, depois ou a partir dela, no impulso mesmo do acontecimento que expressa.
Mas curiosamente essa imagem-documento-emblema, que usualmente poderia ser repetida à exaustão pelos meios de comunicação massivos (como as da praça Tien'amen, entre outras), não ganhou tamanha repercussão. Além da relativa discrição com que os meios de comunicação, inclusive diversas redes da Internet, têm tratado os movimentos revolucionários no mundo árabe (o que merece ser seriamente discutido), interessa-me aqui apontar para o quanto uma outra paisagem de imagens políticas está em curso nos últimos anos, sobretudo a partir da popularização de câmeras de vídeo e foto acopladas a dispositivos móveis e conectadas à Internet. Essa paisagem tem muitas faces e dela aponto apenas um aspecto bastante evidente: o declínio da imagem-emblema como centro catalisador necessário da atenção sobre o acontecimento. A mídia de massa nos educou a uma economia atencional em que uma, duas ou três imagens funcionam como eixo icônico que representam um embate ou conflito político qualquer - revoluções, guerras, guerrilhas. Essas imagens constituem uma espécie de repertório relativamente comum do espectador mediano, ainda que, claro, muitas diferenças e singularidades corram sob ou fora dele.
Outra dinâmica de produção, circulação e afetação das imagens está contudo em curso e já há algum tempo vem engendrando outra economia da atenção, não mais focalizada sobre duas ou três imagens "emblemáticas" que acompanham recursivamente informações variadas, mas uma atenção flutuante ou deslizante sobre uma profusão de imagens cujas origens, formatos, motivações, estéticas são extremamente diversos e dinâmicos. Algumas das muitas questões que se impõem: Que lugares de visão, que perspectivas precisam ser inventadas para olharmos essas imagens? Como estar, com elas, in media res? Como nos lembrar delas? Que tipos de arquivos exigem? Qual é o destino dessas imagens e como elas participam da composição de um processo estético-político comum?
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