quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Escola

Um das boas experiências deste período em Paris é poder acompanhar, através do meu filho de 07 anos, o cotidiano do que sempre foi meu ideal de escola: pública, laica e universal. Mas, assim como em todo o mundo, a escola também aqui amarga uma crise que já vem de longa data. Escapam-me, por falta de conhecimento, as muitas razões e os diversos estratos dessa crise. Aqui falo apenas de uma experência muito particular e desde um olhar talvez demasiadamente estrangeiro.
Um dos elementos desta tão falada crise da escola francesa é a sua dificuldade em lidar com a diversidade cultural, linguística e comportamental que hoje "perturba" o seu "programa" ao um só tempo pedagógico e civilizatório. Uma das melhores leituras desse processo é o filme "Entre os muros da escola", de Laurent Cantet. Uma escola que não cabe mais em seus muros disciplinares, os quais não delimitam como antes um "interior" progressivamente homogêneo em que todos devem seguir de modo relativamente uniforme a "marcha natural do espírito".
Uma das "saídas" para lidar com a diversidade de culturas hoje presente na escola francesa consiste em medidas que buscam "personalizar" ou "diferenciar" a escola segundo grupos de competências e necessidades específicas. Algumas escolas elementares oferecem, por exemplo, classes especiais para estrangeiros, as quais visam dar uma atenção especial a crianças qua não falam o francês. Assim que cheguei, ouvi diversas vezes essas propostas em tom elogioso, como se elas representassem um cuidado em atender às diferentes demandas dos estrangeiros. Vi com certa simpatia tais medidas, num primeiro momento, mas logo percebi a cilada que a "personalização" trazia consigo. O que parece ser uma afirmação e uma acolhida da diversidade mantém uma fronteira perigosa com a segregação. As classes especiais seriam uma forma de acolher a diversidade de culturas e línguas no seio da escola ou uma forma de "poupar" as crianças francesas e/ou francófonas do convívio ("perturbador") com esta diversidade? A fronteira é tênue e coloca em risco não apenas a dimensão republicana da escola quanto o seus objetivos pedagógicos. Essas medidas, que se alinham com o que tecnicamente se chama de "colégio diferenciado" e que se afina com as propostas dos "colégios de reinserção escolar" para os "adolescentes-problema" não apenas ampliam a segregação como implicam em resultados escolares desfavoráveis. Contra essa corrente, a afirmação e fortalecimento do chamado "colégio único", instaurado na França a partir de 1975, mais igualitário e com resultados escolares mais favoráveis, conforme pesquisa divulgada pela OCDE no bom artigo de Nathalie Mons no Le Monde. Contra a cilada da personalização, que diferencia sem implementar de fato uma política das diferenças, o colégio único se mostra bem mais interessante na tarefa de educar segundo perspectivas e contextos simultaneamente igualitários e heterogêneos.

Um comentário:

Dora Kaufman disse...

Essa mesa foi uma das melhores contribuições desse V ABCiber! o povo do auditório agradece aos quatro!