terça-feira, 22 de junho de 2010

Lançamento em Campinas e Ciclo Seminários LABJOR



Dia 23/06, das 14:00 às 18:00 h na UNICAMP, participarão do I Ciclo de Seminários do Mestrado de em Divulgação Científica e Cultural/LABJOR os organizadores do livro "Vigilância e Visibilidade: espaço, tecnologia e identificação". Marta Kanashiro fará a coordenação do evento e do debate, Rodrigo Firmino fará a conferência "Vigilância, tecnologia, espaço e cidade: questões de segurança e controle no espaço urbano" e eu encerrarei o ciclo com a conferência "Máquinas de fazer ver, crer, prever: tecnologias, vigilâncias e visibilidades contemporâneas".
Mais tarde, a partir das 19 h, o livro será lançado na Livraria Café e Arte. Coordenadas abaixo.
Data: 23 de junho (próxima quarta)
a partir de 19h00
Local: CAFÉ E ARTE
Rua Maria Ferreira Antunes,06
Ponto de referência: Em frente a Praça do Coco
Barão Geraldo - Campinas - SP
CEP: 13084-180
tel: 19-3289 3861

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Entrevista Anonimato na Internet

Concedi uma entrevista para o Instituto Humanitas Unisinos sobre Anonimato na Internet. Disponibilizo a versão completa abaixo, já que a que consta no site do IHU foi editada, ainda que com poucos cortes. Ressalto o ótimo trabalho de entrevistas que o IHU tem feito, coisa cada vez mais rara no jornalismo.

IHU On-Line – O anonimato na internet é algo legítimo?
Sim, o anonimato na Internet é absolutamente legítimo. Tão legítimo quanto a privacidade e a liberdade de comunicação, informação e expressão. É importante ressaltar que, no caso da Internet, esses três aspectos estão entrelaçados e que a quebra do anonimato pode colocar em risco tanto a liberdade quanto a privacidade dos indivíduos e dos dados que hoje circulam na rede.
A discussão sobre a legitimidade do anonimato em esferas ou espaços públicos não é um privilegio da atualidade e marcou calorosas disputas na modernidade. Parte dessa discussão está atrelada à utopia de uma sociedade transparente, a qual tem muitas faces. Para citar uma delas, aquela que paradoxalmente constitui um dos lados mais “sombrios” do “Século das Luzes” é exatamente a que vai defender a ordem social intimamente atrelada a uma visibilidade total, à utopia política de um olhar vigilante. Um dos mais conhecidos projetos dessa utopia é o sonho panóptico de Jeremy Bentham. Conhecidos também são os temores que o anonimato despertou com o surgimento da vida urbana e das massas modernas. Toda uma polícia e uma política de identificação se constituiu na tentativa de distinguir os traços de uma identidade individual nos rostos e corpos indiferenciados e anônimos das multidões urbanas. Na contra-corrente desses processos, toda uma outra linhagem de pensadores e práticas defende o anonimato como um princípio fundamental para o pleno exercício da vida pública e da liberdade em coordenação com a proteção da vida privada. Não cabe retomar toda essa discussão aqui, mas aproveito para indicar um bom texto do Sérgio Amadeu, onde ele retoma parte desse debate moderno para discutir o problema na esfera pública interconectada que é a Internet (Amadeu, S. Redes cibernéticas e tecnologias do anonimato: confrontos na sociedade do controle).
Hoje tanto o temor do anonimato quanto uma tentativa de ampliar os sistemas de identificação ressurgem com a Internet, mas seguramente qualquer tentativa de quebrar o anonimato é muitíssimo mais perigosa para a sociedade do que a sua existência como princípio legítimo e aliado à privacidade e à liberdade.
IHU On-Line – E, em sua opinião, o anonimato na internet deve ser protegido?
Sim, deve ser protegido no sentido de garantido, assegurado, sem dúvida. Pois sem o anonimato, a Internet se torna um espaço de controle e de vigilância potencial. Como bem mostram vários estudos, entre os quais destaco os do Alexander Galloway (Protocol e The Exploit), nossas comunicações na rede são operadas por protocolos (como o TCP/IP), assim como deixam rastros que podem ser retraçados, o que implica a possibilidade do controle. Entretanto não há nesta mesma estrutura e na arquitetura da rede nada que exija o vínculo de tais rastros a indivíduos especificamente identificados. Ou seja, essa estrutura acolhe e assegura o anonimato, ainda que o número do IP possa ser rastreado. E isso deve ser mantido. Na verdade, a garantia do anonimato é o que, digamos, nos “protege” do controle e do vigilantismo na Internet.
IHU On-Line – Quem quer o anonimato na internet e por quê?
Se me permite, a pergunta deveria ser: quem não quer o anonimato e por quê? Digo isso pelo fato de a Internet ser, desde o seu surgimento até hoje, apesar de algumas tentativas pontuais contrárias, uma rede de comunicação distribuída baseada no anonimato. E, com essa estrutura, ela se tornou o que é hoje, uma rede fundamental e essencial em nossa vida social, política, econônica, cultural, cognitiva etc. Assim, devemos nos perguntar primeiramente quem quer que a Internet deixe der ser o que ela é e por quê? Segurança e interesses comerciais e corporativos são a base de boa parte dos argumentos recorrentes contra o anonimato na Internet. É plenamente legítima e necessária a defesa da segurança na Internet, mas não creio que esta seja inimiga do anonimato, ao contrário. Mesmo porque, em caso de crimes, a quebra do anonimato já está prevista e garantida pela lei.
Mas voltando à sua pergunta original, acho que há pelo menos dois níveis a serem considerados: um primeiro, mais “vital”, no sentido forte do termo, é que o anonimato é absolutamente necessário para indivíduos e grupos que vivem em regimes totalitários ou sob censura, para os quais muitas vezes se comunicar anonimamente é uma questão de sobrevivência muito concreta. Um segundo nível consiste não tanto ou apenas no anonimato em si, mas em uma série de outros processos que estão articulados a ele na Internet, a liberdade de comunicação e expressão, a privacidade, a possibilidade e abertura em se reinventar modelos de partilha de informação, conhecimento, bens etc.
IHU On-Line – Como você vê a relação da fama e do anonimato na internet?
Fama e anonimato convivem plenamente e profusamente na Internet, território absolutamente cambiante e marcado pela diversidade. Estamos falando agora não mais do anonimato, digamos, “estrutural” ou “arquitetural”, mas no desejo de as pessoas permanecerem anônimas ou conquistarem alguma fama. Por um lado, há um impulso e uma corrida pela fama muito presente em diversos domínios da rede, reproduzindo os ideais da cultura de massas com novas roupagens. Por outro lado, há dinâmicas colaborativas em que sistemas de reputação convivem com o anonimato dos participantes. E há, ainda, processos sociais, políticos, estéticos cujo “pathos” passa pelo anonimato. A mais recente e breve ‘mania’ que chamou a minha atenção neste sentido foi o Chatroulette, onde uma das grandes excitações, à diferença das redes sociais “entre amigos eleitos ou relativamente conhecidos”, é o encontro aleatório com o desconhecido, uma roleta de anônimos interconectados. Não sei se o Chatroulette vai vingar ou não para além de seu sucesso inicial, mas trata-se de um dispositivo interessantíssimo e é instigante imaginar esse processo coletivo de encontros aleatórios com o desconhecido.
IHU On-Line – Os engenheiros que viabilizaram a internet, fizeram isso pensando no anonimato. Para você, que história social da internet, enquanto mídia e a partir do anonimato intrínseco, criamos?
A pergunta é muito ampla e certamente não sou capaz de responder sem simplificações e sem deixar de fora uma série de elementos importantes. Para falar apenas de um ponto, eu diria que a história da Internet é marcada por uma extrema inventividade, uma grande capacidade de se desviar dos fins que lhes são propostos e isso desde seu início, em que se desviou dos fins estritamente militares e acadêmicos e desde então vem sendo apropriada de múltiplos modos e em muitas direções, constituindo modelos alternativos não apenas de comunicação, mas de produção e circulação da informação e do conhecimento, de sociabilidade, de ação política, social, cultural, assim como dinâmicas alternativas de mercado, trocas etc. É claro que essa inventividade não se dá num território de plena harmonia, mas num campo de embates e disputas cada vez mais acirrados em que concorrem também modelos centralizados, massificados, corporativos, conservadores etc. Mas de toda forma, na Internet esses embates são possíveis, enquanto nas mídias massivas as relações de força eram muito mais cristalizadas. E, voltando ao anonimato, toda essa inventividade que atravessa a história da Internet sem dúvida não se deve apenas ao anonimato mas a múltiplos fatores atuando de forma conjunta e extremamente complexa, mas creio que ela estaria muito ameaçada sem ele. Pois o que há de mais interessante é que ela não está encerrada e não pode ser explicada nem pelo gênio de alguns indivíduos, nem pela gestão de certas corporações, nem por ações de um pequeno número de centros. Embora haja tudo isso na rede (egos inflados, grandes corporações, centros), a inventividade que importa e que me parece mais efetiva na história da Internet é essa inventividade distribuída, coletiva, atrelada, entre outras coisas, às redes do anonimato.